Djavando um Djavan

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Quando adolescente, como qualquer adolescente que gostasse de Blind Pigs, NOFX, Lagwagon, ou mesmo depois de adolescente, que gostasse de Pavement e Pixies, eu desprezava – com todas as forças – Djavan e seus rastafaris bem cuidados. Agora, coisa de uma década depois, músicas de Djavan volta e meia me ocupam a cabeça e os ouvidos, no melhor dos sentidos.

Quando me hibernei nos festivais da década de 1970 por causa do Walter Franco, acabei conhecendo coisas que antes, até então, só tinham me passado bem de passagem pela frente, sem eu nunca chegar a correr atrás de um download ou verbete. Aí, sendo W.F. pós oba-oba tropicalista dos festivais da Record que a gente tanto escuta nas aulas de história (como se Chico Buarque e Caetano tivessem sozinhos construído a noção de cultura no Brasil), um pessoal novo (pra mim) e velho (também pra mim, que nasci só muito em 88 depois) comecei a lustrar e pesquisar com verdadeiro interesse; houve quem surgiu nos meus dias pela primeira vez (Ednardo, Carlinhos Vergueiro), houve quem eu conhecesse de raspão e me fez ganhar coragem para sair do raso (Sérgio Sampaio, Jards Macalé, Belchior) e houve quem, depois dos anos a fio de hits meio cafonas que escutei e desgostei nas rádios de mãe e de clube, me fez reconstruir aquela ideia mezzo preconceituosa mezzo ingênua de achismos juvenis; hoje circulam no meu imaginário e na minha estante de discos: Fagner e Djavan. Não que eu os desdenhasse aos 20 como o fazia aos 15, mas a indiferença também é cruel.

Se eu tivesse escrito o texto muito tempo atrás, talvez falasse de como passei a idolatrar Fagner, mas mesmo assim não tenho tanta certeza, porque, afinal, Fagner nunca foi um grande tabu; primeiro porque ele parece meu pai, fisicamente, segundo porque meu pai – e isso não tem nada a ver com ele parecer com o Fagner – sempre escutou muito o tal cearense de Orós, e volta e meia também cantava no karaokê grandes hits como ‘Deslizes’ ou ‘Canteiros’, e até hoje tenho certeza que o seu Zildo se arriscaria nessas duas sem bambear muito.

Resumindo, Fagner, nem em tempos de rebeldia me causou repulsa – hoje, ainda mais longe de lapsos de repulsa, me derruba lágrimas de emoção e borbulhas de amor.

No caso do Djavan, eu detestei Djavan. Coisas primordiais que me faziam detestar Djavan, e talvez ele ainda faça todas essas coisas, é claro, mas hoje elas não me incomodam como antes:

– o hábito de juntar palavras que juntas não parecem fazer sentido (assim como não faz sentido desprezar Paul McCartney por usar a correia mais em cima que o Krist Novoselic usava, coisa que eu costumava fazer quando tinha 11 anos, desprezar)

– meter no meio da música que devoraria alguém tal Caetano e, por que isso?, a Leonardo di Caprio. A título de curiosidade, ‘Eu te devoro’ foi lançada em 1998; Titanic, 1997. Não sei se existe relação com o sucesso do filme, mas eu seria capaz de apostar que sim

– a ideia de que deus criou os dinossauros não chega a incomodar, mas é muito estranha, principalmente porque ele fez isso “pensando em você”, e não vou discutir deus, muito menos teorizar se ele calculou a fisionomia e o funcionamento dos bichos ou se foi um erro de percurso

– aquele violão elétrico fechado, sem caixa, da espessura de um pulso; me dá calafrios (Fagner, Caetano, todo mundo já usou essa porra, mas o Djavan era como se fosse, pra mim, a personificação daquele instrumento horroroso, um violão elétrico fechado que canta, compõe e dá entrevistas)

– uma coisa leva a outra: além de em todo bar-happy-hou ‘Sina’ e ‘Te Devoro’ serem as apostas da noite, os crooners meia-bomba também passaram a usar o tal violão elétrico fechado (não sei se existe uma relação tão íntima entre uma coisa e outra, mas que é foda é foda)

O lance é que: nas minhas pesquisas sobre Walter Franco, eu descobri que o Djavan conseguiu o primeiro disco depois de brilhar numa ocasião em que W.F. também brilhara. Em 1975, o Festival Abertura, da Globo, premiou 1) Carlinhos Vergueiro (‘Como um Ladrão’), 2) Djavan (‘Fato Consumado’, eu quero é viver em paz, por favor, me beija a boca, que louca) e 3) Walter Franco (‘Muito Tudo’, que ele nem chegou a apresentar direito porque não deixaram, e aí o Julio Medaglia e o Walter passaram o tempo da apresentação sentados no palco, fingindo que jogavam dados).

Eis que, entre um prazo atrasado e outro ainda mais, com essa abdução por ‘Fato Consumado’ (claro que eu já tinha a escutado, mas nunca com carinho e atenção), Djavan passou a habitar o meu círculo das curiosidades.

O Miguel Fallabela, aqui embaixo, em um Videoshow de 1995, dá um pouco o clima daquele 1975 (atentar para: Miéle, que anos depois iria lançar o ‘Melô do Tagarela’, era um dos apresentadores; Hermeto; Alceu; Luiz Melodia).

 

‘Fato Consumado’, em resumo, foi o que me fez ir atrás do primeiro álbum do Djavan, lançado em 1976. A voz, o violão, a música de Djavan não é o nome mais criativo do planeta, mas isso meio que tanto faz. A primeira faixa é ‘Flor de Lis’ (que foi regravada por um trilhão de pessoas, inclusive pelo Tim Maia); todo mundo já ouviu aquele caô de que a letra era uma homenagem à mulher dele, que morreu no parto junto com o bebê, mas todo esse falatório – da época em que correntes assim ainda circulavam em emails BOL ou iG – não faz qualquer sentido e ele desmente o boato sempre que pode. Adiante: o disco é bom, e eu por muito tempo o escutei repetidamente, encontrando, a cada audição, mais motivos para achar aquilo um puta trabalho.

No caso, o que me levou a escrever este texto, e que talvez não esteja sendo lido por ninguém, foi o dia em que resolvi – na minha cega ignorância – comprar um LP do disco de 1982, Luz. Honestamente, eu não sabia com o que estava lidando, mas por essas maravilhas que o disco de vinil proporciona, vi no encarte que aquela gaita de ‘Samurai’ era obra de Stevie Wonder (sim, na foto lá em cima do post, de óculos escuros e jaqueta da Fila).

Aí, claro, continuei a passada de olho e encontrei fotos de Djavan com Moacir Santos, descobrindo que os arranjos de ‘Capim’ são do maestro, o que faz todo sentido quando você escuta a faixa.

Como Djavan chegou em Los Angeles e acabou num estúdio com umas lendas do soul e com o Moaça é coisa que vim a saber depois: em 1982, a Carmen McRae (também) gravou ‘Flor de Lis’ (que é uma versão maravilhosa, puta merda), e aí o alagoano acabou nos States, ficou famoso e todo mundo quis dividir o balanço.

O Ronnie Foster, produtor do disco, disse na época do lançamento: “Este trabalho não pode expressar o amor e felicidade que Djavan e eu sentimos. A experiência com ele não só me comoveu, como seu calor e amor emocionaram todas as pessoas envolvidas nesse trabalho. Eu espero que o Brasil e o mundo se deem conta do que eles têm em Djavan.

Eu me dei conta disso em algum momento, que nem sei precisar exatamente quando; talvez eu tenha ficado mais velho, e aí o Greatest Hits do Elton John e os romances clássicos do Djavan se tornaram mais parte da minha realidade.

Pouco tempo atrás, seguindo adiante nessa incursão Djavanesca, escutei o Lilás, de 1984, e tem muito anos 80 mesmo, slap bass, bateria eletrônica e outras coisas abomináveis da década, mas eu acho que gostei.

Djavan é bom de balanço, e talvez seja só disso que se trata. Ou sei lá.

ps.: o site oficial do Djavan, assim como o do Fagner, coincidência, é desses organizados e cheios de detalhes para o caso de seu filho precisar fazer um trabalho sobre um deles na escola.